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Jornal Diferencial - 3 de Abril de 1996

Jorge Martins
com João Henriques


HISTÓRIA ANTIGA EM PORTUGAL


Igreja de Cientologia (IC). Um nome praticamente desconhecido da maioria dos portugueses. No entanto, milhares de lisboetas já foram abordados por esta organização: é a Igreja que tem por hábito distribuir, junto a algumas estações do Metropolitano, uns panfletos onde se alega, citando Einstein, que só usamos «10% do nosso potencial mental». Através deste meio a Cientologia tem como objectivo estabelecer um primeiro contacto com os potenciais adeptos e também tentar vender o livro de culto da seita, escrito por Hubbard, «Dianética - A Ciência Moderna da Saúde Mental». Este livro tem edição portuguesa, pela Europa-América, e em algumas bibliotecas do nosso país podemos encontrar publicações da Igreja.

Distúrbios nos anos 70

A Cientologia foi fundada em 1954, nos Estados Unidos, e pouco mais de uma década depois começou a tentar expandir-se na América Central, Europa e Norte de África. Ronald Hubbard comprou o navio Apollo e, no fim dos anos 60 e início dos 70, visitou vários portos de países que atravessavam crises políticas ou económicas, onde esperava encontrar um clima propício ao funcionamento da Igreja. Portugal esteve em destaque nessa altura. No calendário da IC de 1995 a maior parte das fotografias são dos portos visitados no início da década de 70: Setúbal, Lisboa, Porto e Funchal. Neste se afirma ainda que Hubbard compilou uma «série histórica para o Museu Marítimo de Lisboa» e se menciona o «notável retrato de Marcello Caetano». Na capa, a Torre de Belém...

William Robertson, Capitão do Apollo na altura, revelou que em 1972 Hubbard alugou um cinema em Lisboa onde toda a tripulação pôde assistir à estreia mundial do filme «As Borboletas estão livres», do realizador Milton Katselas (um cientologista). Também existe outro relato segundo o qual Hubbard teria alugado um cinema em Portugal, por volta da mesma altura, para a gravação de um álbum da sua banda privada, os Apollo Stars.

Quando visitava os portos marítimos (por vezes com muita frequência), o navio geralmente despertava algumas suspeitas relativas à sua misteriosa actividade. No entanto, os cientologistas respondiam sempre com a mesma estória: estavam a treinar executivos em técnicas de gestão. A 3 de Outubro de 1974, no Funchal, estava prevista a actuação dos Apollo Stars num concerto. Mais uma vez, a estória do barco soou a falso e, num comício do MRPP, surgiu o rumor de que o Apollo pertencia à CIA (estávamos na altura do PREC e as forças de esquerda lutavam contra a intromissão dos Estados Unidos nos nossos assuntos internos). Uma multidão em fúria decidiu atacar o navio (com pedras, paus e outros objectos) chegando a atirar à água duas motos e dois pequenos carros pertencentes aos tripulantes. Após a escaramuça entre cientologistas e madeirenses (que terá durado mais de uma hora) o navio teve de abandonar o porto... Ao que consta, Hubbard estava a bordo do Apollo nessa altura e este incidente marcou o fim da sua abordagem aos países da Europa e Norte de África.

Percurso da Igreja

A Cientologia instalou-se permanentemente em Portugal no início da década de 80, sendo na altura dirigida por espanhóis da filial do país vizinho. Durante vários anos a IC tem-se dedicado a abordar transeuntes, convencendo-os a fazer um «teste de personalidade» e tentando persuadi-los a inscreverem-se num dos seus cursos. Vem utilizando também pequenas acções de publicidade, como anúncios nos jornais ou a distribuição dos anteriormente referidos folhetos sobre o livro Dianética.

A imprensa portuguesa tem dedicado alguma atenção às actividades desta seita. O semanário «Tal & Qual» relatou a saga de Mafalda, que foi tirar um curso à Dinamarca e fugiu, tendo a embaixada portuguesa financiado a sua viagem de volta. Em 1984, Victor Paulo trabalhou na Igreja durante 3 meses e saiu, desiludido com o que lá encontrou. Em entrevista ao «Correio da Manhã», Victor descreveu os métodos de «sacar dinheiro», referiu uma conta secreta para onde ia 70% do dinheiro e relatava algumas alegadas práticas de «lavagem cerebral» em que as vítimas eram sujeitas a sessões de cura nas quais ficavam 1 ou 2 horas a olhar fixamente para os olhos do auditor. Victor Paulo referia que, após algumas sessões deste tipo, as pessoas ficavam «apanhadas da cabeça» e podiam depois ser facilmente convencidas a participar noutros cursos, gastando o seu dinheiro ou o da família. Após o abandono da seita, Victor Paulo queixou-se de receber vários telefonemas anónimos com ameaças...

No início, a sede da Igreja situava-se na Travessa da Trindade, ao Chiado. Posteriormente, os cientologistas mudaram-se para a Rua Actor Taborda e, no passado dia 9 de Setembro de 1995, foram inauguradas as novas instalações, na Rua Conde de Redondo, em Lisboa, com a presença da responsável pela Península Ibérica, Antonia Navarro (que esteve presa em Espanha, em 1988, na sequência de um processo que ainda aguarda julgamento). Segundo um artigo do Diário de Noticias (10/09/95), a IC pretende agora também instalar-se no Porto. Já no início da década de 90 se tinha adiantado a hipótese da instalação de uma clínica de tratamento de toxicodependentes em Viseu (projecto Narconon - uma das organizações que faz parte da Cientologia).

Conferências no IST

Em Novembro de 1994, a Cientologia alugou um auditório no Instituto Superior Técnico, através de um jovem assistente do Departamento de Matemática (cujo nome preferimos aqui omitir) que frequenta cursos na Igreja. Esse assistente convenceu vários dos seus alunos do primeiro ano (e também outros alunos, já que pediu para intervir em aulas de outros professores) a participar numa das iniciativas que iriam ter lugar. Em 2 sábados consecutivos, dias 12 e 19, realizaram-se duas conferências distintas, subordinadas ao tema «Métodos de Estudo». O preço, simbólico, era de 3 mil escudos e abordaram-se 3 técnicas bastante simples. De acordo com alunos que participaram, apenas se aprenderam algumas regras de senso-comum e houve mesmo quem se sentisse defraudado. No final, pedia-se que as pessoas preenchessem um questionário com os seus dados pessoais e dessem uma opinião sobre a conferência a que tinham acabado de assistir. Foi nessa altura que alguns alunos descobriram que a organização da mesma estava a cargo da Igreja de Cientologia. Foram ainda convidados a participar noutro curso mais avançado, na sede da Igreja, que custaria à volta de 15 mil escudos. Segundo o que conseguimos apurar, alguns alunos aceitaram mesmo essa proposta.

Entretanto, após a segunda conferência, a AEIST tomou conhecimento de quem organizava os eventos e apurou a existência de irregularidades no processo de aluguer da sala (o assistente tinha alugado o espaço em nome do Departamento de Matemática), posteriormente corrigidas pela IC. Também os cartazes de propaganda das conferências tinham sido afixados no 'campus' sem autorização. Desde aí, a Igreja Portuguesa de Cientologia não mais tentou efectuar qualquer iniciativa no Técnico e o assistente viu o seu caso resolvido internamente no Departamento que ainda integra.

Mortes violentas em Lisboa

Ainda no ano de 1994, houve um acontecimento grave que chamou a atenção para a Cientologia. A 29 de Julho, João Cancela, um empresário de 32 anos, irrompeu armado nas instalações da Igreja na Rua Actor Taborda e disparou várias vezes. Maria do Rosário Almeida, empregada no Ministério das Finanças e colaboradora da Cientologia, foi atingida mortalmente. Outro indivíduo ficou também ferido, tendo o homicida sido dominado por José Jesus, outro colaborador e funcionário da Carris. João Cancela foi imediatamente preso e, segundo o jornal «O Independente», confessou ao juiz a sua intenção de matar e a sua «intensa antipatia à doutrina da Igreja de Cientologia». Após a detenção, a condição psicológica de João Cancela agravou-se rapidamente e este foi mesmo transferido para o Hospital Psiquiátrico de Caxias, onde viria a suicidar-se, por enforcamento, a 16 de Agosto.

Da investigação feita pelo Independente conclui-se que João Cancela não teria, aparentemente, qualquer ligação prévia com a Cientologia, desconhecendo-se as motivações para cometer aquele acto de violência. As diligências feitas pelo Diferencial também não permitiram encontrar factos novos referentes a este caso, parecendo confirmar-se a versão que a presidente interina da Cientologia nos tinha adiantado, segundo a qual o homem sofria de perturbações mentais. Filomena Pereira, que acedeu a conversar com o nosso jornal para abordar vários temas, alegou desconhecer quaisquer actividades obscuras da Cientologia, assim como as derrotas judiciais no estrangeiro, e negou as acusações que alguns fazem à Igreja. Aliás, esta responsável garante mesmo aos membros portugueses da Cientologia que a Igreja nunca perdeu um único caso em tribunal!...